terça-feira, 25 de maio de 2010

LIVRO "DO REAL IMAGINADO"


Do real imaginado

Abro este bairro antigo
como a um pergaminho de sensações.
Aqui o tempo mora em casarões
e acena da janela aos barcos.

Meu primeiro bairro antigo
foi a Cidade Velha, Belém.
E tanto o preservei comigo
que, agora, não sei se ando esta rua
ou alguma de outrora.

À sensação no tempo visitado
chamou-se poesia;
na vizinhança,
outros nomes deram forma
a causas fora do espaço:
esperança, sorte, fé,
destino, imponderável,
pressentimento.
Nascentes
à nossa margem.
H
g
Poesia
H
Em casa de Tarcísio –
ateliê-galeria –
tudo ao mesmo tempo é real e imaginação:
o armário, as cadeiras, o cinzeirosão
mais que objetos, são objetos:
personificações.
G
Clima perfeito
como numa nostalgia,
transposta entre amigos e:
as coisas nos são se as somos.
E hoje reproduzimos
uma cena antiga,
imaginada mas nunca escrita,
obra apenas da memória da arte:
cena que se recorda em nós,
transfigurantes,
supra-reais
H
H
H
leio uma crônica de argumentos
e Bóris comenta: “Cercou o frango!”;
Neoma desenha;
(Tarcísio foi ao bar): TELAS;
Gaya gargalha para Shakespeare;
a comida avisa
que está quase pronta.



Sílica

Na tv, mulher mostrava
dezenas de plásticas;
até no clitóris.
Essa ela não mostrou.



Por causa do silicone,
criou-se outra categoria
de peitos grandes:
naturals”, os naturais.



Turbinadas heroínas
de quadrinhos futuristas
da minha adolescência.

segunda-feira, 17 de maio de 2010

LIVRO "DO REAL IMAGINADO"


A véspera

A cor é o único tempo.
A aurora já balança os galhos
e o inverno está próximo.
Narciso não abre os olhos.
outra vez, o sonho
Três lembranças do sol nas bétulas,
nove canções para vozes azuis.
A luz aninha a fronde no Lago.
O Sol está triste - não há nuvens
mas a morte chegou.

Narciso já desmaiou entre as estrelas
que adornavam a água admirada;
lançou-se nas simultaneidades
de futuro e passado, sonho e imaginação;
recebeu o Sol como a si mesmo
e as moças estrelas, incendiadas,
rolavam das órbitas de estertor e êxtase.
Hoje apenas sente, lá fora, as angulações do dia pleno.
um pesadelo que o entrega ao escuro
Súbito, abre os olhos -
por um momento,
não pensa em nada, repleto;
presságios na luz da vida.

Silêncio em tudo.
Expectativa nas folhas, alegria nas frutas.
Os pés chegam ao Lago, hesitantes.
Quinze sóis até as chuvas,
Narciso apalpa o rosto como se sonhasse um incêndio.
Curva-se ritual para a própria imagem,
recupera-se sem esperança;
nunca presenciara a despedida de um herói.

Uma sombra tolda o movimento na água:
pela primeira vez, a chuva surpreendia-o:
Narciso a pressentia nas cores e temperaturas,
sons e hábitos dos bichos; sabia-a na pele,
nos ossos, membranas;
e agora tal nuvem – sem fala
e tão corrompida.

Ele mira-se no lago trêmulo
e o rosto distorce-se.
Transparecem o orgulho, o desprezo, a arrogância;
no espelho por trás dos olhos, o horrendo:
cuspe nas rosas, lama no poço.
Imóvel sobre o Lago, Narciso
chora pela beleza desperdiçada;
lembra da mãe e de si mesmo, beleza
perdida, e chora por nenhuma amada;
as palavras estão por toda parte,
beleza comentada, e ele chora pelo Sol, único poeta.
Ri triste como os homens.
Lágrimas de amor, seus últimos olhos.
Amanhã, morrerá.



RRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRRÀ Cristina Souza



neolítica


a serra é um estado da memória



(



a rocha
poliniza-se
roxa
e na transparência porosa
volteia
asas e pétalas corrosas



)



aqui
uma mariposa lítica
é a poesia
e deixa
à margem do papel
a plumagem por testemunho



BBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBBAo Antônio Moura

segunda-feira, 10 de maio de 2010

LIVRO "DO REAL IMAGINADO"


Brinquedos

Não estava acostumado
com televisão,
e o Falco foi massificado:
um precursor do Rambo.

Desembrulhado, porém,
o herói era estático
como plástico
e o menino sofreu
de publicidade.

II

A boneca
ou o Soldadinho de Chumbo
têm que realidade,
agora que só os lembramos?

Que palavra de verdade
dizer ao Saci de pano
com quem numa gaveta
topamos?

III

Primeiro ela sente o cheiro
da caixa: patchouli
envelhecido.
Retira a Emília de pano,
e cuidadosamente absorta
lava-a: corrige cada
pequeno furo
ou imperfeição:
perfuma-lhe
e enlaça o cabelo.
Quando era criança,
falava mais que a boneca;
hoje, apenas chora,
chora, chora cuidadosamente,
e a Emília de novo lhe sorri.



O Andarilho

Carlitos fora visitar Alberto Caeiro
e Fernando Pessoa o fizera esperar.
(Disse-me que só em Portugal
o lirismo pôde um dia virar cristal.)
Quando Caeiro acenou,
poeta situado a meio do outeiro,
Carlitos também viu odes campestres
A brincar com sensações.

*

Pinóquio manda da Terra-do-Nunca
poema para Wendy em Macondo:

“Duas borboletas voam para o alto, para o alto,
para se esconder do sol entre as estrelas...”

Wendy responde, do País das Maravilhas:
“Você ainda tem
espinhas no rosto?”

*

No inverno, Iessiênin percorre a cidade,
até o bar das goteiras;
tenta namorar Ofélia, que tem medo;
Maiacóvski às vezes aparece
e briga até com Cecília Meireles;
hoje, do nada, Ofélia pergunta:
“Que é feito de Isadora Duncan?”

*

Haurir a imaginação
feito a memória de Borges
através do xadrez de estrelas;
entregar a órbita do menino
que há séculos passou por mim
e até ontem me buscava.



Ao lado do cisne

“- A água fenece, brota:
o tempo de uma borboleta.

Tua forma
é como o vôo do urubu

estarão contigo
estes fogos de estrelas.

Eu, por mais de um rio
lastimei a vida, lamentei o amor;

cantas antes de morrer.”

segunda-feira, 3 de maio de 2010

LIVRO “DO REAL IMAGINADO”




Antes de amanhecer


rrrralvorrrrrrrrrarco

rrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrlua lançada

rrrcrescente vazante

rrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrnosso b

rrrrarcorrrrrrrrrrralvo:


frrrrrrrrflecha
rrrrrrrrrrrrrrrrrre
rrrrrrrrrflexa


rrrrrrrrralva

rfrà beira de Belém.


rrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrrvvvvvvrrrrrrrrrrrrrrrrrrÀ Daniela



Do Éden

Ave
bbbbbbbanida
que se arrasta com seu êxtase


na origem do Tempo


Eva deixa de novo
os cabelos crescerem.




Na eternidade

- Lembro que eras pedra
e eu, vento,
e milhões de anos depois
falei: "Pode abrir os olhos!”
e viste o mar.

Diazinho inolvidável:
tomaste, na areia,
minha primeira Helena
e distribuímos o mar
entre deuses aparvalhados.